Um total de 239 jovens vivem em cerca de 11 unidades socioeducativas em toda a Bahia.
Essas instituições são responsáveis por garantir a reinserção social de jovens que cometeram atos infracionais e cumprem medidas educativas em meio fechado, semi-fechado ou até mesmo aberto. Os dados, divulgados na última terça-feira (14) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), colocam a Bahia como a 11° maior população de jovens em cumprimento de medidas socioeducativas do país, a terceira maior do Nordeste.
Mediante o estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mesmo para adolescentes privados de liberdade, “é dever da família, da comunidade e do poder público assegurar a efetivação dos direitos”, e sob esta premissa o painel do CNJ disponibiliza informações colhidas nas inspeções realizadas por magistrados em unidades de todo o Brasil.
Atualmente, no Brasil, São Paulo lidera o ranking da maior população de jovens neste cenário, com uma população de 3.939 pessoas; seguido do Rio de Janeiro, com 759; e Minas Gerais, com 719. Em termos de taxa de ocupação, as unidades baianas também apresentam um bom número, com 39,97% da capacidade utilizada e ficando em 17° lugar em comparação com os outros estados brasileiros.
Ao Bahia Notícias, o defensor público especializado em infância e juventude, Bruno Moura, explica que as medidas socioeducativas tem em vista “responsabilizar adolescentes pela prática de atos infracionais”.
“Não há dúvidas de que as medidas socioeducativas possuem característica punitiva, inclusive podem impor a medida extrema de privação de liberdade”, diz o jurista. Com relação à aplicação das medidas, Moura define:
“Com a ressalva ao direito de ir e vir, restringido pela internação, todos os outros direitos do adolescente devem ser garantidos pelo Estado durante o período de privação de liberdade, a exemplo da educação, da saúde, do lazer, do direito a participação da família, dentre outros. Estudos da psicologia demonstram o quanto nociva é a institucionalização na formação do caráter e identidade dos adolescentes”, afirma.
A legislação atual impõe que a execução das medidas em meio fechado, ou seja, em privação de liberdade, é responsabilidade dos Estados e as medidas em meio aberto ficam sob atribuição dos municípios. Na Bahia, as unidades socioeducativas são de responsabilidade do Estado, na Bahia é parte das ações da FUNDAC (Fundação da Criança e do Adolescente), autarquia vinculada a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado.
No cenário baiano, o CNJ conseguiu inspecionar todas as 11 unidades no último bimestre de 2024. Os dados obtidos demonstram o perfil dos jovens baianos que cumprem medidas socioeducativas e o nível de desenvolvimento das unidades.
O ROSTO DA JUVENTUDE
Por meio das inspeções realizadas no último bimestre do ano, o Conselho Nacional de Justiça conseguiu montar um breve perfil dos jovens baianos que habitam ou frequentam as unidades socioeducativas.
Segundo os dados do CNJ, 172 dos 239 jovens atendidos pelas unidades estão em regime de medida de internação, ou seja, em privação de liberdade; 36 cumprem medida em internação provisória; 27 estão em semiliberdade; e outros quatro cumprem medida em internação sanção. Ao todo, são 233 meninos e 6 meninas.
Entre os jovens, 87,7% são pretos ou pardos. 108 deles foram classificados como pardos, 92 como pretos e 28 como brancos. Com relação à faixa etária, a maioria deles, 29,3%, tem entre 18 e 21 anos, sendo 65 ao total. O padrão seguem números decrescentes: 62 deles tem 17 anos (27,9%); 24,8% (55) tem 16 anos; 21 deles tem 15 anos, o equivalente a 9,5%; 5,9% tem 14 anos, ou seja, 13 adolescentes; e seis deles tem entre 12 e 13 anos.
No último bimestre de 2024, 24 jovens possuíam doenças mentais diagnosticadas, enquanto outros 23 possuíam sintomas ainda não diagnosticados. 91, o equivalente a um terço deles, fazia uso de medicação controlada e quase metade, cerca de 46,8%, tinha histórico de drogas ou álcool. Apenas um dos jovens possui filhos.
O especialista explica que parte desse perfil se dá como um reflexo social da omissão do Estado. O que ocorrer, geralmente, que jovens que já se encontram em vulnerabilidade estão mais propensos a pártica de atos infracionais e não são “protegidos” com a proteção de seus direitos.
“Verificamos no cotidiano dessas unidades são adolescentes de uma origem pobre e que apresentam um somatório de vulnerabilidades. São famílias desestruturadas, condição social precária, ausência de oportunidades, dificuldade em se manter estudando e ingresso precoce no mundo do trabalho em funções inapropriadas para a sua condição”, ressalta.
O CENÁRIO
Nas inspeções do CNJ, o órgão também analisou o cenário dentro das unidades socioeducativas, considerando os profissionais que atuam na equipe técnica, regimentos internos e os protocolos utilizados nas instituições. Desta forma, foi registrado que, em novembro e dezembro, todas as 11 instituições baianas possuíam regimento interno, um projeto político pedagógico, psicólogos e assistentes sociais, índices que ajudam a compreender o atendimento dado aos jovens no local.
O levantamento aponta que nas unidades baianas, estão disponíveis um psicólogo para cada 2,13 jovens; 12,5 jovens por assistente social; 23,9 jovens por pedagogo e um total 498 agentes socioeducativos, o equivalente a 0,48 jovens por agente.
Ao Bahia Notícias, o defensor público explica que “Nas unidades socioeducativas os adolescentes devem ser acompanhados por equipes técnicas com psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, entre outros. Os jovens devem frequentar a escola, participar de cursos profissionalizantes, atividades esportivas e outras extracurriculares que sirvam para o seu desenvolvimento”.
Com relação à assistência, material e alimentação, todas as unidades fornecem materiais de higiene, realizam fiscalização com relação à qualidade e quantidade da alimentação e possuem consumo e fornecimento de água permanente. No entanto, no que diz respeito ao ensino, apenas seis das 11 unidades possuem salas de aula e oferecem ensino profissionalizante. Cerca de 88,7% dos jovens em atendimento tem acesso a estes serviços.
No âmbito da saúde, todos os jovens possuem acesso interno – dentro das unidades – ou externo ao serviço, porém 212 deles vivem nas seis unidades que possuem atendimento interno. Todas as jovens possuem atendimento ginecológico e o único jovem LGBTQ+ contabilizado também tem acesso a atendimento especializado. Com relação a atividades físicas, 234 jovens tem acesso a oficinas esportivas.
Com relação a possíveis violações de direitos, Bruno conta que dentro das próprias unidades ou órgão gestores, no caso da FUNDAC, existem sistemas de denúncia e apuração de possíveis casos de violência. Além disso, “Os casos de violação de direitos dentro das unidades possuem um controle externo exercido pelos órgãos do sistema de justiça que atuam na área da infância e juventude e dentro dessas unidades como a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Poder Judiciário”, conclui.
O Bahia Notícias entrou em contato com a FUNDAC (Fundação da Criança e do Adolescente), para compreender como é feita a gestão das unidades socioeducativas baianas, mas não obteve resposta, até o momento desta publicação.