Ferretti abre planos para o Bahia e aponta marco como 1º presidente assumidamente gay no Brasil

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Ídolo do Tricolor como jogador, Emerson Ferretti promete que vai cuidar do futebol ao lado do Grupo City e cita principais ações para 2024

Na reta final de uma temporada de mudanças profundas, mas também muito turbulenta, o Bahia elegeu um novo presidente. No último sábado, o ex-goleiro e ídolo tricolor Emerson Ferretti recebeu 1089 votos dos sócios para comandar a Associação no triênio 2024-2026. Primeiro presidente após venda de 90% SAF para o Grupo City, Ferretti assume um clube com atribuições distintas do seu antecessor, Guilherme Bellintani. Nesta terça-feira, ele detalhou os planos em entrevista ao ge.

Com o Grupo City à frente do futebol do Bahia, Emerson Ferretti tem outras responsabilidades no Tricolor. Entre elas criar novas formas de aproximação com o sócio, aumentar a receita, além de investir em esportes olímpicos. Contudo, ele garante que não vai deixar de acompanhar de perto o carro-chefe do clube.

“Na minha campanha, falei o tempo todo que o Bahia é dono do futebol também. E como dono, mesmo que minoritário, tem por obrigação acompanhar. É uma obrigação nossa”.

Mas a eleição de Emerson Ferretti vai além e também é um marco para o futebol brasileiro. Ele é o primeiro presidente declaradamente homossexual entre todas as séries do Campeonato Brasileiro, de acordo com o Coletivo de torcidas LGBTQIA+. Ele deixa claro que a eleição no Bahia aconteceu por outros motivos, mas não deixa de ser um marco.

“Em primeiro lugar, a minha eleição não foi por isso. A minha eleição foi porque eu me qualifiquei, me preparei para estar na presidência. O fato de ser gay vem junto, mas não como principal. Não deixa de ser um marco no futebol brasileiro”, disse.

 

Emerson Ferretti em entrevista ao ge — Foto: ge

Emerson Ferretti em entrevista ao ge — Foto: ge

Ídolo do Bahia como jogador, Emerson Ferretti tem 52 anos e é gaúcho. Ele, inclusive, começou a carreira nas categorias de base do Grêmio e também jogou por Flamengo, América-RJ, América-RN, Ituano, Bragantino e Juventude antes de chegar ao Tricolor. Pela equipe baiana, atuou entre 2000 e 2005, foi destaque, e teve como principais conquistas o bicampeonato do Nordeste, em 2001 e 2002. No último ano de sua carreira, atuou pelo Vitória.

Esta também vai ser a segunda experiência de Emerson Ferretti como presidente de um clube, uma vez que ele comandou o Ypiranga, também do estado, entre 2010 e 2017. Nos últimos anos, Ferretti trabalhou como comentarista e professor de Gestão Esportiva.

Emerson Ferretti na passagem pelo Bahia — Foto: Arquivo pessoal

Emerson Ferretti na passagem pelo Bahia — Foto: Arquivo pessoal

ge: Emerson, você venceu a eleição há três dias. Desde a saída da Fonte Nova, após o resultado eleitoral, até esta terça-feira, como tem sido o dia a dia? Muito trabalho?

[Emerson Ferretti] Muito intenso. Primeiro, muita gente parabenizando pela eleição. E ainda não consegui responder a todo mundo. Já fui para Belo Horizonte acompanhar o time contra o América-MG para começar a me aproximar do clube, treinador, comissão técnica e Grupo City. Ontem e hoje foram dias de aproximação. Eu estava agora na sede do clube, do Esporte Clube Bahia, para conhecer a sede e começar a tomar pé da situação.

Você tem participado de reuniões com quais objetivos? Transição para 2024?

– Na verdade, a posse vai ser semana que vem. Então, só não está definido o dia. Já me reuni com funcionários. Me inteirando de tudo que vou encontrar, o quadro de funcionários, orçamento, organograma. Para, depois, ver quais são as necessidades para o andamento do trabalho e trabalhar propriamente, planejamento estratégico. E já começar o trabalho.

A gente sabe que a SAF é quem manda no futebol do Bahia, mas você é ídolo do clube, ex-jogador, tem contribuído de alguma maneira? Já houve contato, conversa com alguém do Grupo City?

– Nessa viagem para Belo Horizonte foi rápido e superficial, uma primeira aproximação. Isso deve acontecer mais para frente. Estávamos todos focados no jogo, um contato rápido.

Emerson Ferretti, novo presidente do Bahia, no dia da eleição  — Foto: Tiago Lemos

Emerson Ferretti, novo presidente do Bahia, no dia da eleição — Foto: Tiago Lemos

O Bahia está na iminência do rebaixamento. Você viajou para BH, chegou a conversar com os atletas? Como está o ambiente depois dessa derrota para o América-MG?

– O contato dos atletas foi rápido, no estádio. Voltamos no mesmo voo. Não tive contato de conversar, até porque, depois de derrota, e eu fui atleta, o abatimento é natural. E ainda mais na situação delicada do Bahia. Abatimento geral que eu preferi respeitar para que não entrasse muito na intimidade deles. Conversei com comissão técnica para entender o momento e me mostrei presente. Já vivi situações semelhantes. Sei que é importante eles sentirem apoio de todo mundo.

O Tricolor precisa vencer o Atlético-MG, melhor time do returno, e torcer por tropeço de Vasco ou Santos contra Bragantino e Fortaleza, respectivamente. Se empatar, torcer por derrota do Vasco. Acredita na salvação?

– Justamente, por ser jogador, sei que, no futebol, tudo é possível. Ninguém imaginava que o Bahia perderia para o América-MG. Por que não acreditar que o Bahia, mesmo em uma situação delicada, contra uma equipe forte, não possa vencer? Não acredito com quem joga a toalha antes de finalizar. Temos um tiro para dar e que tem que ser certeiro.

Agora, foco na Associação: diante das propostas que você debateu durante o processo eleitoral, quais acredita que pode atacar em 2024?

– Primeiro ano de trabalho a gente vai focar várias frentes, além de se aproximar do futebol, uma obrigação. Pretendemos fundar a Função Esquadrão, iniciar trabalho social forte. Pretendemos dar início às primeiras modalidades olímpicas. Iniciamos conversas com algumas instituições para ver qual a mais viável. São 48 modalidades. Vamos começar aos poucos, não podemos abraçar o mundo de uma vez só. Há uma necessidade de recurso financeiro para isso. Vamos trabalhar com algumas modalidades. O Casarão Tricolor, no Pelourinho, levar a marca do Bahia para o Pelourinho, criar a fun fest tricolor, um ponto de encontro do torcedor para assistir aos jogos fora de Salvador. Em paralelo a isso, também, a gente quer fazer com que o plano de sócios seja atrativo. Precisa aumentar o número de sócios. Pretendemos criar uma rede de benefícios e outros atrativos para o torcedor se associar ao clube e não só à SAF.

Chamou a atenção um abraço que você recebeu de Guilherme Bellintani logo após eleito. Como você avalia a gestão Bellintani?

– Avalio que teve acertos e erros, como todo gestor. Todo gestor que tem por obrigação tomar decisões, nem sempre são acertadas. Não só no futebol. Ele teve erros no futebol, mas também acertos em outras áreas. Entrega um clube com mais de 50 mil sócios, maior orçamento. Principalmente, permitindo a possibilidade de criar a SAF, eles agiram rápido e trouxeram o melhor parceiro que poderia ter vindo, o maior gestor de clubes do mundo. Continuo acreditando muito na capacidade deles de transformar a realidade do Bahia. Até pelos erros no futebol, o movimento rápido de criar a SAF e trazer alguém capacitado.

Guilherme Bellintani e Emerson Ferretti — Foto: Tiago Lemos

Guilherme Bellintani e Emerson Ferretti — Foto: Tiago Lemos

Como vai ser a sua relação com as torcidas organizadas do Bahia?

– A gente pretende abrir diálogo com todo mundo. Sou um diplomata. O diálogo é a solução para todos os problemas. É ter um canal de comunicação aberto e partir para diálogo com todo mundo. Também com as embaixadas tricolores. A gente tem uma comunicação fluida com o torcedor. As torcidas organizadas fazem parte desse microambiente e precisam ser ouvidas. Comunicação muita aberta.

Uma das críticas feitas ao Grupo City é a falta de transparência, até do que é positivo para o Bahia. Como pretende trabalhar nesse quesito?

– Primeiro, realmente, a principal queixa. A comunicação que faltou, no entendimento nosso, que está acostumado com alguém do clube sempre se posicionando. Eu entendo como um choque de cultura. O Grupo City vem com um pacote que funcionou na Inglaterra e outros lugares do clube. Tentaram implementar aqui, e houve um choque. Estamos acostumados de outra forma. Para eles, talvez seja o normal. Cabe a nós, agora à frente do clube, nos aproximarmos e fazer eles entenderem que há uma necessidade. Uma comunicação maior e não só dos assuntos relacionados ao futebol. Lembrando também que o Bahia SAF é uma empresa privada. Tem as obrigações de publicação de demonstração financeira, mas a decisão é de cada empresa. É que o futebol brasileiro está acostumada com a comunicação fluida. É uma das nossas funções e obrigações, mostrar como o Grupo City funciona para que não aconteça percepção errada de um lado e outro.

O final de temporada turbulento do Bahia vai exigir um dirigente ainda mais atuante no Conselho de Administração da SAF. Depois de três dias como presidente eleito, o que dá para prometer ao torcedor neste sentido?

– Eu ainda não tomei posse [risos]. Mas a ideia é ser atuante, acompanhar. Na minha campanha, falei o tempo todo que o Bahia é dono do futebol também. E como dono, mesmo que minoritário, tem por obrigação acompanhar. É uma obrigação nossa.

Você é o primeiro presidente assumidamente homossexual entre as principais divisões do futebol brasileiro. A repercussão já mostra a sua representatividade no mundo do futebol, que ainda é muito homofóbico. E você, Emerson, como analisa isso tudo?

– Em primeiro lugar, a minha eleição não foi por isso. A minha eleição foi porque eu me qualifiquei, me preparei para estar na presidência. O fato de ser gay vem junto, mas não como principal. Não deixa de ser um marco no futebol brasileiro. O Bahia é um clube do povo, um clube que acolhe todo mundo. E um clube que tem trabalho social bastante relevante, a partir do momento que criou o Núcleo de Ações Afirmativas. Minha eleição só reforça. E o fato de ser gay não diminui capacidade de ninguém. Mesmo no futebol já tivemos atletas gays. E eu fui o único que teve coragem de falar. E os atletas são tão competentes quanto qualquer outro. É um marco. Vai ajudar bastante na discussão dentro do futebol.

Emerson Ferretti abre planos para o Bahia — Foto: ge

Emerson Ferretti abre planos para o Bahia — Foto: ge

Você contou a sua história ao podcast do ge, “Nos Armários dos Vestiários”. E agora, como dirigente esportivo, como pode contribuir no combate à discriminação e ao preconceito em geral?

– É criar a Fundação Esquadrão, nos moldes da Função do Barcelona e que tem trabalho social bastante relevante. A gente pretende criar a Fundação, que pretende atuar bastante forte. E a homofobia é uma delas. Não só isso. E tantas outras mazelas da nossa sociedade. Nossa Fundação vai atuar muito como ferramenta de transformação social.

Você citou a Fundação Esquadrão entre as suas propostas para as ações afirmativas. Há algum outro projeto em pauta?

 Não. A gente vai concentrar. É exigência estatutária do clube manter o trabalho social. A Fundação Esquadrão vem para fortalecer e potencializar esse trabalho. A gente vai inserir muita coisa nesse guarda-chuva da Fundação Esquadrão.