Mais de 10 milhões de pessoas vivem em municípios com nível socioeconômico baixo ou crítico

Pilão Arcado, Iramaia, Paratinga, Campo Alegre de Lourdes e Sítio do Mato são as cinco cidades com menores notas

O Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) revela que 95,4% dos municípios do estado da Bahia, que juntos respondem por 10,4 milhões de pessoas (70,5% da população total), têm desenvolvimento socioeconômico baixo ou crítico. O número representa quase 18% do total da população brasileira nestas condições. As cidades de Pilão Arcado, Iramaia, Paratinga, Campo Alegre de Lourdes e Sítio do Mato são as cinco com a menor nota no IFDM.

Em números absolutos, a Bahia é o estado onde mais pessoas vivem em municípios situados nessas condições. Em relação aos dados percentuais populacionais, o estado é o quarto pior, ficando à frente somente de Amapá (com 100% da população vivendo em regiões com desenvolvimento baixo ou crítico), Maranhão (77,6%) e Pará (72,4%).

Em outro cenário, estão 4,6% das cidades com desenvolvimento moderado, onde vivem 4,3 milhões de pessoas (29,5% da população total). Entre elas, os municípios de Luís Eduardo Magalhães, Irecê e Brumado, os três mais bem avaliados. A capital, Salvador, se encontra em 7º lugar. O IFDM revela que nenhum município baiano registra alto grau de desenvolvimento.

Marcio Felipe Afonso, especialista em Estudos Econômicos da Firjan, diz que é preciso analisar um conjunto de indicadores para entender por que o resultado verificado na Bahia é tão ruim. “O IFDM mede condições relacionadas ao mercado de trabalho, educação e saúde. O resultado final é uma combinação destes componentes”, diz.

Um dado que ilustra a situação é o de acesso a programas de apoio ao parto. Na Bahia, menos de 80% das mulheres têm acesso ao pré-natal. No Ceará, também na região Nordeste, este número aumenta para 87%. Em relação ao acesso a médicos, o estado também se destaca negativamente, com menos de um profissional por grupos de mil habitantes. Como comparação, no Distrito Federal, há quatro médicos para mil habitantes, em média.

Quando a lupa se volta para a educação, a Bahia possui uma média de 50% dos professores com formação adequada para as disciplinas que ensinam, enquanto estados como o Espírito Santo alcançam a média de 80%. Em relação à oferta de creches para crianças de até 3 anos, o estado possui uma taxa de 35% de acesso, enquanto o mínimo recomendável é de 50%.

“É inadmissível que ainda hoje, apesar da melhoria nos últimos anos, a gente tenha um Brasil tão desigual. Através do IFDM conseguimos chamar a atenção para a situação crítica de muitas cidades, que nem sequer tem quantidade razoável de médicos para atender a população, em que a diversidade econômica é tão baixa que sete em cada dez empregos formais são na administração pública”, avalia o presidente da Firjan, Luiz Césio Caetano.

“Nossos cálculos indicam que as cidades críticas têm, em média, mais de duas décadas de atraso em relação as mais desenvolvidas do país. É como se parte dos brasileiros ainda estivesse vivendo no século passado”, complementa.

Impacto real

Na cidade de Campo Alegre de Lourdes, localizada no norte da Bahia, os moradores precisam lidar diariamente com o descaso que se traduz na falta de serviços básicos. A região, que tem a agricultura como força motriz da economia, não recebe o retorno do trabalho na produção de feijão, mel e milho porque o município sequer possui uma agência bancária.

O comerciante Elton Pereira, proprietário do Supermercado JM, conta que são poucas as perspectivas de subsistência disponíveis para os locais. “A maioria do pessoal se emprega na prefeitura ou recebe benefício social. Na falta de um banco, temos que nos deslocar para São Raimundo do Nonato, uma cidade no Piauí, para conseguir sacar nossos recursos. O dinheiro, que deveria circular na cidade, não circula”, diz ele ao explicar o baixo desenvolvimento socioeconômico do local em que vive.

Elton afirma que os problemas ainda vão além quando o olhar é direcionado a quesitos tão importante quanto a economia. “A educação é sofrida também. Aqui tem escola, mas a maioria dos professores trabalham com contratos que acabam no final do ano. Dessa forma, todo início de ano tem atraso para as aulas começarem. Além disso, só temos dois hospitais, um particular e um municipal, que ainda carece de especialidades”, detalha.

Se já existem problemas na educação básica, a educação superior se supera. Isso porque, a cidade só tem faculdades que funcionam três dias na semana. “A cidade não oferece muita coisa. A educação só vai até o básico, porque as faculdades que aparecem aqui são de fora e no sistema EAD. É complicado”, aponta a comerciante de prenome Meire, que comanda uma loja de calçados na cidade.

Também no norte do estado, o município de Pilão Arcado, que é ocupado por 35.357 habitantes, de acordo com o último Censo Demográfico do IBGE, só tem 6,64% da população ocupada formalmente. Lá, o salário médio mensal desses trabalhadores é de R$ 1,8 mil. O restante das pessoas aptas a trabalhar vivem na informalidade ou na linha de pobreza.

Pilão Arcado vive majoritariamente da pesca e da agricultura. Em menor dimensão, o comércio representa uma parte da economia que, na visão do empresário e morador Gildécio Borges Lopes, poderia ser melhor se houvesse maior interesse da população nesse setor. “Não há muitos empregados nos estabelecimentos e eu mesmo estou precisando de funcionários, mas não encontro porque as pessoas daqui recebem auxílio do governo e não querem registrar o trabalho na carteira. Isso atrasa o nosso município”, afirma.

Segundo Gildécio, a educação básica na cidade é boa, mas há queixas de populares quanto à merenda escolar. Isso porque, em vez de terem acesso à carne como proteína, as crianças estariam comendo ovo. No que diz respeito a saúde, por sua vez, o município só possui um hospital municipal que, conforme o morador, atende a população adequadamente.

Em Paratinga, no oeste da Bahia, a falta de avanço no desenvolvimento social possui similaridades com a realidade de Pilão Arcado e Campo Alegre de Lourdes. A cidade conta com população estimada de 30.671 pessoas que, na maior parte dos casos, não encontram alternativas econômicas para fugir do descaso e atraso.

“É uma cidade pequena que vive do comércio e da prefeitura. A empregabilidade aqui é essa, por isso tem gente que vai para fora. A educação e a saúde deveriam melhorar no lado de cá. Aqui só tem um hospital e não tem UPA. O que ajuda são as especialidades, que não deixa de ter”, relata a moradora e vendedora de prenome Dariane.

Desempenho nacional

Apesar do avanço das cidades brasileiras na última década, o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) aponta que 47,3% (2.625) ainda têm desenvolvimento socioeconômico baixo (2.376) ou crítico (249). São 57 milhões de pessoas vivendo nessa situação.

Os municípios com desenvolvimento moderado são 48,1% (2.669) e aqueles com alto nível são apenas 4,6% (256). Os três mais bem avaliados pelo estudo são Águas de São Pedro (SP), São Caetano do Sul (SP) e Curitiba (PR). Elaborado pela Firjan com base em dados oficiais referentes ao ano de 2023, esta edição do IFDM analisou 5.550 cidades, que respondem por 99,96% da população.

A análise mostra que 99% dos municípios registraram avanço no índice geral entre 2013 e 2023. Com isso, a pontuação média brasileira no estudo é de 0,6067 ponto, referente a desenvolvimento moderado. As três vertentes do índice contribuíram para esse avanço, ainda que em ritmos distintos. O IFDM Educação teve o maior crescimento (+52,1%), passando de 0,4166 ponto em 2013 – quando era a variável com pior pontuação – para 0,6335 em 2023, tornando-se o componente de melhor desempenho.

O IFDM Saúde registrou o segundo maior avanço (+29,8%), aumentando de 0,4626 ponto para 0,6002. Já o IFDM Emprego & Renda foi o que menos evoluiu (+12,1%), mesmo com a forte recuperação pós-pandemia. Essa trajetória de desenvolvimento disseminado resultou em redução de 87,4% no número de municípios com desenvolvimento crítico, que passou de 1.978 em 2013 para 249 em 2023.

O gerente de Estudos Econômicos da Firjan, Jonathas Goulart, coloca que todas as regiões ainda têm cidades em situação crítica, mas que Norte e Nordeste ainda são as mais prejudicadas. Ele destaca que o estudo oferece análise detalhada para que o cenário possa ser modificado nos próximos anos. “Estamos fornecendo um quadro representativo para a formulação de políticas públicas mais eficazes e equitativas”, pontua Goulart.

Dependência de recursos

A distribuição dos municípios brasileiros por nível de desenvolvimento do IFDM Emprego & Renda em 2023 revela cenário contrastante. Enquanto 20,3% das cidades têm alto nível de desenvolvimento nessa dimensão — a maior proporção entre as três vertentes do IFDM —, ainda há desafios significativos: um em cada quatro (25,2%) municípios apresenta um mercado de trabalho em condição crítica.

O IFDM Emprego & Renda avalia a capacidade de geração de empregos e de distribuição de renda nos municípios, levando em conta absorção da mão de obra local, diversidade econômica (indicadora de resiliência do mercado), taxa de desligamentos voluntários (reflete a mobilidade e a confiança do trabalhador), PIB per capita (medida de riqueza produzida por habitante), participação dos salários no PIB (indicadora de distribuição de renda) e taxa de pobreza (evidencia a parcela da população em situação de vulnerabilidade socioeconômica).

Nas cidades com desenvolvimento crítico no IFDM Emprego & Renda, 9,3% da população adulta possui emprego formal. Nos municípios de alto desenvolvimento nesse indicador, esse percentual é de 39,4%. O estudo também aponta que a baixa diversidade econômica nos municípios críticos é ilustrada pela alta dependência nos empregos públicos: nessas cidades, quase sete em cada dez vínculos formais (67,9%) de emprego estão na administração pública, frente a apenas 10,6% nos municípios com alta performance.

Elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) com base em dados oficiais referentes ao ano de 2023, esta edição do IFDM analisou 5.550 municípios brasileiros, que respondem por 99,96% da população. Criado em 2008 e atualizado neste ano com nova metodologia, o estudo é composto pelos indicadores de Emprego & Renda, Saúde e Educação e varia de 0 a 1 ponto, sendo que quanto mais próximo de 1 maior o desenvolvimento socioeconômico. Através dessa pontuação, é possível avaliar o município de forma geral e específica em cada um dos indicadores.

Tanto a avaliação geral quanto as análises dos indicadores são classificadas em quatro conceitos: entre 0 e 0,4 – desenvolvimento crítico / entre 0,4 e 0,6 – desenvolvimento baixo / entre 0,6 e 0,8 – desenvolvimento moderado / entre 0,8 e 1 – desenvolvimento alto. O estudo permite, ainda, avaliação absoluta por município e ano e comparações entre cidades e anos anteriores.

De 2013 para 2023, o IFDM médio do estado da Bahia passou de 0,2966 para 0,4920, no que diz respeito ao baixo desenvolvimento. O principal fator para essa evolução foi o desempenho em Educação, que registrou alta de 130,9%, seguido por Saúde (+69,2%) e por Emprego & Renda (+22,6%). O movimento foi disseminado pelo estado, com todos os municípios evoluindo frente a 2013.

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