“Eu estava dando aula e a aluna olhou para mim e disse que a única coisa que os negros trouxeram para o Brasil foi a macumba e a maconha”, relatou a professora
A professora Sueli Santana, que atua na rede municipal de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), registrou um boletim de ocorrência e uma denúncia junto ao Ministério Público, na semana passada, por causa das agressões verbais e físicas que vem sofrendo por parte de alunos da instituição, que não respeitam o credo da docente. Em entrevista ao site Farol da Bahia, a professora contou que sofre racismo e intolerância religiosa desde o início do ano letivo.
De acordo com a professora, os comentários ofensivos sobre a religiosidade começaram quando alunos entre 10 e 12 anos, da mesma família, ingressaram na Escola Municipal Rural Boa União, localizada na Zona Rural de Abrantes, onde Sueli leciona, e se recusaram a assistir à aula sobre cultura afro-brasileira. Vale lembrar que tal disciplina, oriunda da Lei 10.639 de 2003, determina o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas.
“No início do ano, chegaram novos alunos e, entre eles, três pertencentes a uma família evangélica tradicional. Essas crianças se incomodaram ao me verem em uma sexta-feira com minhas vestes tradicionais do Candomblé. Eu sou professora da rede municipal, mas também sou makota do Terreiro de Lembarocy, em Salvador. Makota é um título candomblecista, e eu sempre assumi minha religiosidade. Vou de branco toda sexta-feira à escola e, quando estou em rituais, além de vestir branco, cubro minha cabeça”, revelou a professora ao site.
Apesar dos pais das crianças já terem sido chamados diversas vezes pela direção da escola, as agressões não cessaram e a professora seguir sendo chamada de “bruxa”, “demônia”, “macumbeira”, “satanás” e “feiticeira”. De acordo com a docente, após o recesso de junho a situação teria piorado e ficado insustentável a partir dos meses de outubro e novembro, quando foi apedrejada pelos três alunos.
“Passei a sofrer não apenas agressões verbais, mas também físicas. Eu fui apedrejada por esses três alunos. Em vários momentos em que eu chegava na sala de aula, havia versículos bíblicos escritos no quadro e uma Bíblia sobre a minha mesa. Quando eu pedia para que o dono retirasse, essas meninas diziam que a Bíblia estava ali para que Jesus salvasse a minha alma”, detalhou a professora.
A direção da escola acionou Secretaria de Educação de Camaçari, mas a única orientação recebida foi para que a professora parasse de trabalhar com o livro que estava sendo usado nas aulas; o ABC Afro Brasileiro. “Fui proibida de trabalhar com o livro até que alguém fosse à escola conversar com os pais, como se a aplicação da lei precisasse ser autorizada”, analisou Sueli.
“Na última semana, eu estava dando aula ainda com auxílio do livro, e a aluna olhou para mim e disse que a única coisa que os negros trouxeram para o Brasil foi a macumba e a maconha. Entre essas situações todas que eu vivi, os pais foram chamados e, por causa do livro, não só os pais dessas alunas, mas outros pais exigiram que os filhos não assistissem às aulas porque, além de a professora ser do Candomblé, esse tipo de aula não era para os filhos deles, pois falava sobre Candomblé”, desabafou Sueli.
A professora conta ainda como essa evolução da violência foi percebida por ela, que até então tentava resolver a situação de modo civilizado. “O racismo é sutil, e às vezes a gente quer tratar com educação (…) Até então, eu sentia que era um preconceito comigo e fiquei na escola tentando resolver de forma educativa, trazendo a questão da religiosidade como um direito que todo mundo tem. Até culminar com o ato da violência física. A violência psicológica eu até estava suportando, mas, quando partiu para a física, senti que minha integridade estava ameaçada (…) A pedrada que levei acertou o pescoço, mas poderia ter atingido a cabeça ou os olhos, causando sequelas”, desabafou a professora.
Sobre a denúncia, a docente finalizou contando a sua expectava: “Que esses pais sejam chamados à responsabilidade e que compreendam que a Lei é para ser cumprida. Em momento algum tentei converter ninguém. O meu corpo é o meu direito, então as minhas contas, o meu vestido e o meu torço são direitos meus. Eles precisam orientar os filhos a respeitar, assim como eu respeito o direito deles. Eu preciso ser respeitada”, defendeu a professora.
Ainda para o Farol da Bahia, Secretaria de Educação disse que acolheu a professora e as famílias. “A Secretaria da Educação (Seduc) tomou conhecimento da denúncia nesta quinta-feira (21/11) e, imediatamente, procedeu com o acolhimento à professora Sueli Santana, bem como aos estudantes da Escola Municipal Rural Boa União e familiares. Iniciou, também, a apuração dos relatos, com o intuito de, por meio de oitiva com as partes envolvidas, buscar a completa compreensão da situação e, por conseguinte, os esclarecimentos, providências cabíveis e dissolução dos conflitos. A Seduc reitera seu compromisso com a valorização da diversidade e do respeito às diferenças, sejam elas relacionadas a crenças, gênero ou cor, repudiando qualquer forma de discriminação. Nesta sexta-feira (22/11), segue em diálogo com a comunidade escolar”.